A cena é perfeita na minha cabeça. Meu tio, recém chegado dos Estados Unidos sentado a um piano de estudo que na época era usado pela minha irmã do meio, conversando com minha mãe sobre a possibilidade de vender aquele instrumento que não estava mais sendo usado.
Ele faz alguns acordes e se levanta para dirigir-se a cozinha, para tomar um café. Um pequeno garoto, de 5 anos, levanta-se rapidamente e ao sentar de frente aquela imensa caixa de madeira, repete os mesmos acordes feitos a minutos atrás.
Surpresos com aquela cena veio a pergunta "Porque você não coloca ele para estudar?" Disse meu tio a minha mãe, e foi ali onde tudo começou.
Na mesma época eu era apenas uma criança normal, praticava judô, que era mais indicado para os meninos, do que música, ainda mais piano.
Mas não adiantou, foi um caso de amor. Um dom recebido de Deus que estava nascendo ali, naquela pequena sala.
Foram duros anos de estudos e dedicação plena. Enquanto as crianças corriam pela rua, estavam curtindo sua idade, estava eu sentado em um banco, de frente a uma caixa de madeira, mas que a cada toque, era tocado de uma maneira, quase que sobrenatural.
Os anos foram se passando, as oportunidades foram chegando e a alma cada vez mais necessitada de alimento.
Por fazer parte de uma família evangélica, tive paralelo a minha vida profissional de músico uma carreira como um dos mais requisitados pianistas entre corais e orquestras. Viajei o Brasil por todos os lados. Era elogiado, admirado e até em alguns casos invejado.
Mais alguns anos a frente e a história de amor e sucesso com a música começou a ser deixada de lado. A igreja não me via mais como alguém interessante, pela minha homossexualidade. Meus sonhos com a música começaram a ser adormecidos, dando lugar a novas experiências profissionais, que também cooperaram para a minha formação, para as minhas conquistas.
Depois que saí da casa dos meus pais, deixei pra trás meu bem mais precioso, meu piano. No começo uma situação provisória, mas os anos foram se passando e passando.
Sempre que estou por lá, tenho de tocá-lo, falar com ele, como se fosse um membro da família, como se fosse parte de mim. Mas pera ai, ele é uma parte de mim!!!!
Ontem, ouvi algo muito duro de uma pessoa. Não sou de amolecer com as coisas, quem me conhece sabe muito bem o gênio forte que tenho. Mas talvez, como estou em um momento de fragilidade, aquilo bateu como uma bomba.
Não posso fazer outra coisa a não ser agradecer a esse momento de "alerta", sobre algumas coisas.
Depois de uma noite mal dormida, virando na cama de um lado para o outro, pensando, refletindo e chorando, o dia amanheceu mais duro do que a noite.
Reorganizar, reinventar, refazer !
Três palavras que preciso estampar na minha vida nesse momento.
E tô sentindo um oco dentro de mim, uma dor, que só meu piano poderia nesse momento me consolar. Pois ele reage ao meu toque, ele respira pela minha respiração. Ele me ouve e me toca sem me criticar, mas com grande competência vai fundo na minha alma. Me resgatando de um buraco na qual estou nesse momento.
Não pensem que estou depressivo, não me permito a isso. Apenas um momento de fragilidade, de insegurança, comum a pessoas que sempre ousam em realizar.
Língua Felina 24 com dores na alma ...
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